Por: Jorge Eurico, jornalista
O ministro da Energia e Águas teve a honra de anunciar, com ar de missão cumprida, que apenas 44% da população angolana tem acesso à energia eléctrica. Luz para poucos, milhões às escuras. País às escuras, ministro a brilhar… na luz da escuridão. João Baptista Borges divulgou os dados estatísticos durante a cerimónia do “Fórum de Debates Juvenis 2025”, promovido há dias pelo Conselho Nacional da Juventude, na capital angolana.
O mais grave não é o número revelado. É a institucionalização do cinismo e a leveza de ser governante em Angola. É o tom com que o ministro o apresentou. Como quem diz: “Podia ser pior.” Pois podia, senhor ministro! Podíamos estar todos às escuras. E talvez aí o povo começasse, finalmente, a ver com clareza quem nos governa. A falta de vergonha foi substituída pela retórica da normalização do fracasso governativo. Já não se pedem desculpas. Já não se promete mudança. Apresenta-se a miséria como uma estatística tolerável. Estamos mesmo no escuro. E não há central hidroeléctrica que resolva isso. Está tudo tranquilo. O angolano de hoje é mais generoso do que heróico de ontem. Isso da heroicidade ficou no passado.
O ministro da Energia e Águas tem (cons)ciência de uma coisa: Apresentar a desgraça de um País com dados estatísticos ou em PowerPoint dói menos. Aplaca a dor. Suaviza a revolta. Funciona como um unguento político. Permitam-me um exercício aritmético simples, à luz crua da verdade involuntária, para iluminar o cinismo de João Baptista Borges: Angola tem uma população estimada em 37 milhões de habitantes. Ora, se apenas 44% dessa cifra tem acesso à energia eléctrica, isso implica dizer que 56% dos angolanos (cerca de 20,7 milhões de pessoas) vivem literalmente no escuro. Uma tragédia! Angola às escuras, Governo iluminado de cinismo.
A falta de luz num País com menos de 40 milhões de habitantes, dotado de reservas de petróleo e gás suficientes para iluminar metade da África Austral, devia causar escândalo e não alívio. Mas, em Angola, a mediocridade veste-se de conquista. Falta luz. Falta luz de vergonha ao Executivo, que todos os dias perde a batalha contra o subdesenvolvimento.
Angola está na idade das trevas políticas. Há escolas onde ainda se estuda à luz de velas. Hospitais que fazem partos com lanternas de telemóvel. Mercados onde peixe, carne e legumes apodrecem por falta de frio. E tudo isto não ocorre em zonas de conflito, mas em bairros, aldeias e municípios que constam dos discursos oficiais como “zonas de desenvolvimento prioritário”. Angola é o País dos geradores e das lanternas. A escuridão é oficial. Faz parte do programa do Executivo.
Alguém faça o favor de dizer ao decano dos auxiliares do Titular do Poder Executivo, João Baptista Borges, que electricidade não é conforto. Muito menos privilégio. É saúde. É educação. É economia. É dignidade. É um direito. Negar o acesso à electricidade a 20,7 milhões de habitantes é o mesmo que mantê-los numa cela invisível. Sem direito ao presente e ao futuro. É impor um blackout moral e político à cidadania. É estratégico. É intencional. É sinónimo de manha, de mania. É maldade. Manter milhões de cidadãos angolanos sem energia é uma forma subtil de os manter sem voz. Sem autonomia. Sem ferramentas para exigir mais. Para quem governa com base no controlo e na resignação, isso é a verdadeira iluminação.
Fica o aviso: a escuridão cansa. E a História Universal está cheia de relatos que mostram que, quando o povo se farta de esperar pela luz, costuma acendê-la sozinho.
Nem que seja com fósforos.
E gasolina. A História mostra que quando um povo se farta do escuro, a combustão é inevitável. Nem sempre começa com ideologia. Às vezes, basta um fósforo.